A pandemia da Covid-19 é um fenômeno complexo que traz muitas perspectivas a serem observadas e vividas. Uma delas é sobre conflitos. São diversos os conflitos gerados pela pandemia e suas inúmeras consequências. No mundo escolar isso também acontece. O ambiente escolar é, tradicionalmente, um espaço também de gerenciamento de conflitos. Isso porque é este um ambiente de relações humanas, de aprendizagem, de desenvolvimento. No entanto, a Covid-19 acarretou em um isolamento social e gerou uma situação adversa porque a escola precisou se relacionar com acontecimentos não previstos e inimagináveis.

Precisamos iniciar, implantar e nos adaptar as aulas remotas e lidar com a mudança de rotina, de público, de profissionais, de alunos, de famílias. A escola mexe com diversos setores e a ausência de ir e estar na escola afeta a todos. E toda essa mudança aconteceu em um ambiente de confinamento, onde as pessoas foram privadas do seu lazer, com medo da doença, medo da morte e com uma rotina completamente desorganizada. Fomos impostos a um momento onde precisamos enfrentar uma situação não prevista e não planejada”, relatou a gestora pedagógica do Colégio GGE, Anabelle Veloso, ao abrir mais uma edição da Edu 5.0 Live Meeting, série de lives promovidas pelo Sistema GGE de Ensino. Desta vez, o tema abordado foi justamente a gestão de conflitos em tempos de pandemia.

O tema começou a ser abordado pela pedagoga e mediadora de conflitos, Irenilda Magalhães (foto), que reforçou que os conflitos são inerentes a toda e qualquer relação humana. “Onde tiver pessoas existem conflitos”, afirmou. Segundo a especialista, isso acontece justamente por conta das diferenças da personalidade, da cultura, dos valores, dos pontos de vista divergentes, de falhas na comunicação ou da não existência da comunicação. São pontos que estão presentes no ambiente escolar, mas, neste momento de isolamento social, além dos conflitos interpessoais que estão sendo apresentados pela convivência dentro de casa, existem os intrapessoais, que surgiram com mais força diante dos fatos recentes.

De acordo com Irenilda Magalhães, antes de tudo, é preciso entender de onde surgiu a divergência e, a partir daí, criar estratégias para resolvê-la.

Existe uma grande diferença entre administrar conflito e mediar conflito. Quando eu estou administrando conflito é a minha relação com o outro. Os dois lados envolvidos irão adotar estratégias para resolver aquele ponto. Quando falamos em mediar, estamos falando na necessidade da participação de uma terceira pessoa. É fundamental que esta terceira pessoa tenha conhecimento de mediação. Tem muita gente que pensa que vai mediar e aumenta mais o conflito. Mediador não pode ser parcial. Ele precisa ser imparcial, ser neutro, para que as pessoas encontrem o caminho a seguir”, explica.

Diante dessa possibilidade de geração de conflito, é preciso ressaltar, ainda, que toda ação gera emoção e toda emoção desperta em nós um comportamento.

A forma como eu percebo eu reajo. Então, tem que ter cuidado porque passamos da emoção direto para o comportamento. O ideal é que quando chegar a emoção nós esperemos um pouco para que não haja o ímpeto. Quando chega a emoção, espere um pouco. Pense. Respire. Só depois resolva o problema”, orienta Irenilda Magalhães.

A publicitária e facilitadora de Comunicação Não Violenta, Andréa Corradini (foto), a segunda palestrante da live, reforçou esse ponto ressaltando que o conflito é algo presente na vida de todos. Citando Dominic Barter, treinador de Comunicação Não Violenta, a especialista explicou que o conflito é como uma atualização de aplicativo de celular: aparecem nos momentos onde as adequações as novas realidades são necessárias. “A comunicação traz uma nova lente para enxergar estes conflitos. Ao invés de tentar resolver, podemos olhar e entender que todas as pessoas ali trazem necessidades. Então, o que é importante para elas, quando é jogada a luz no conflito, já vai dar encaminhamentos de que deve ser muito importante para todos. Quando já chega com determinada postura, provavelmente, os encaminhamentos serão mais duros e trarão sofrimento. Ao entrar no conflito com abertura para se permitir que todas as necessidades sejam analisadas, pode levar para um lugar que ninguém imaginava. Entrar com esse aspecto de curiosidade traz vida para a composição”, ressalta.

Andréa Corradini explica que os pilares da comunicação não violenta passam pela intenção.

Quando eu expresso o que é importante para mim, eu tenho mais possibilidades de fazer com que a necessidade seja atendida”, diz citando outro pilar da comunicação não violenta que é a empatia. “Que é eu me colocar disponível para colher o que é importante. A escuta é um pilar de qualidade. Eu me coloco à disposição do que você está trazendo. Essas dinâmicas de honestidade e empatia permitem que a comunicação flua de forma mais interessante e que pode contribuir para todos os que estão envolvidos”, completa.

Abrindo o momento de perguntas do debate, o gestor da unidade GGE Benfica, Ricardo Diniz, quis saber um pouco mais sobre a gestão de conflito entre as crianças. “Os alunos do Ensino Fundamental 1, por exemplo, ainda estão com o processo de maturidade em formação e por isso muitos conflitos surgem. Como a escola e família podem ajudar essa criança?”, questionou. Sobre o assunto, Irenilda Magalhães disse que é fundamental a proximidade da escola com a família para que se possa entender e conhecer como é a relação fora do ambiente escolar. “O filho é o espelho do que se vê em casa”, lembra.

Diante disso, Irenilda Magalhães ressalta mais uma vez que os conflitos vão sempre existir e que o importante é que não se coíba quando se percebe que algo não vai bem.

Devemos procurar entender o que está passando e porque esta acontecendo daquela forma. Se antecipar para que não haja uma violência. Para que a escola possa agir no sentido de ouvir, interpretar, conversar, dialogar e tentar fazer com que as partes se entendam ou que eu e a outra pessoa nos entendamos. Mas, para isso, preciso deixar que as questões se aflorem. A questão é mediar. Temos diversas formas de solucionar os conflitos e, para cada situação, podemos usar estratégias de resolução diferentes a depender do que esta envolvido e de quais atores estão envolvidos ”, orienta.

Voltando ao debate, a gestora pedagógica do Colégio GGE, Anabelle Veloso, ressaltou que, neste momento de aulas remotas, três habilidades estão sendo bastante importantes: empatia, resiliência e positivismo. “Pensando nos momentos de diálogo com a família, com os professores, com a equipe e com os alunos, existe algum recurso que possamos utilizar nestes encontros que reforcem esses sentimentos?”, questionou.

A publicitária e facilitadora de Comunicação Não Violenta, Andréa Corradini, relatou que na comunicação não violenta, se diz que a girafa representa a conexão que vem de coração para coração. Por isso, nos momentos em que é preciso se entregar à empatia, usa-se a expressão “colocar a orelha em pé”.

Imagina que eu sou um gestor e estou recebendo um pai com muito medo diante de tanta coisa que está acontecendo. Então, esta conversa pode começar com uma escuta presente. Na empatia eu me desapego de aconselhar, de competir pelo sentimento, de minimizar o que o outro está sofrendo ou expondo naquele momento. O que eu faço é me colocar presente e tento sentir os mesmos sentimentos que estão aflorando. Uma verdadeira escuta empática faz toda a diferença e, ao invés de eu estar só elaborando uma questão para quando a pessoa falar, a gente se coloca na postura de acolhimento. Depois deste processo, eu posso até dizer para pessoa como eu estou me sentindo agora. Demonstrar o esforço que a instituição está fazendo para entregar a satisfação para o outro”, orienta.

Ainda sobre a questão dos sentimentos, o gerente editorial do Sistema GGE de Ensino, Fellipe Torres, destacou o projeto socioemocional do Sistema GGE de Ensino, o Fora da Caixa.

O projeto, que integra o material didático do Sistema GGE de Ensino, é composto por conteúdos ricos que falam sobre esses temas e propõem atividades relacionadas aos sentimentos e ao assunto que está sendo abordado em sala de aula.

Fomos provocados por três eixos citados nas competências da BNCC que são: autoconhecimento e autocuidado; empatia e cooperação; e responsabilidade e cidadania. Com isso, mobilizamos uma grande equipe e criamos o Fora da Caixa, que é voltado para alunos do 6º ano até o 9º ano. São temas que, até pouco tempo atrás, só aprendíamos quando o professor trazia suas experiências para a sala de aula. Então, temos tido um retorno excelente das escolas parceiras e, inclusive, o nosso sistema está lançando ano que vem um projeto socioemocional nessa linha e seguindo a tendência de trazer os sentimentos para o currículo em sala de aula”, contou Felipe Torres.

Sobre o tema, Irenilda Magalhães ressaltou que projetos como o Fora da Caixa são abordagens que, por si só, já levam ao autoconhecimento. “O grande diferencial hoje nas organizações, nas escolas, é o lado humano. São as relações interpessoais. Você envolve o sujeito e ele é o autor da solução do problema. Assim, ele não vai repetir o erro. É importante que as pessoas levem a refletir sobre as situações porque quando eu reflito, mudo o interesse e estimulo a curiosidade. As pessoas crescem e passam a se autoconhecer e a modificar o comportamento”, afirma.

Andréa Corradini acrescentou que o grande propósito da comunicação não violenta é a transformação social.

Ela passa pela escuta, pela empatia, por fazer pedidos claros, mas, o objetivo central é que a gente deixe uma outra sociedade e esta transformação social precisa passar por processos de reflexão. Os jovens podem fazer essa revolução da empatia”, conclui. Segundo ela, a comunicação não violenta é como uma ida a academia, onde você vai treinar o músculo e vai se acostumando.

A comunicação também funciona assim. Quanto mais treina mais você vai entendendo essa linguagem. Basicamente é uma auto-conexão. Na comunicação social existem alguns pilares que podem trazer conceitos da comunicação não violenta. A empatia, por exemplo. Quando você compreende o público já é um ato de empatia. Outra coisa é a representatividade. Colocar nas ações pessoas negras, com deficiência, trazer para comunicação pessoas da vida real que muitas vezes são eliminadas desse padrão e não conectam com as pessoas de verdade que estão por aí. No outro extremo, é se manter sempre aberto e com conexão constante em acolher, ouvir e ter a disposição de criar conexão de forma mais profunda”, detalha Andréa.

A liderança foi outro aspecto abordado durante a live. Neste ponto, a dúvida apresentada diz respeito a como desenvolver esta habilidade nas pessoas. Para explicar, Irenilda Magalhães começou afirmando que um paradigma que precisa ser quebrado é o de que as pessoas são líderes natas. “As pessoas vão desenvolvendo a liderança a partir do porte delas. Ouvindo, discutindo, compartilhando. O bom líder precisa envolver a equipe, se envolver no trabalho e fazer com que as pessoas desenvolvam as habilidades. É preciso entender que nem todo líder é um gestor e nem todo gestor é líder. O líder é aquela pessoa que faz com que as pessoas comprem suas ideias. Faz com que as pessoas acreditem, tenham confiança. Se a equipe tem confiança ela vai comprar projetos, vai participar e ter objetivo único. Líder tem objetivo da equipe. Ele pensa na equipe como um todo. Se o líder é autoritário demais ele vai ter dificuldades na partilha, no comprometimento, no envolvimento da equipe”, diz.

Por fim, as palestrantes deixaram dicas de livros para quem deseja mais informações sobre o assunto. A primeira indicação veio da coordenadora editorial do Sistema GGE de Ensino, Mariana Banja, que foi a mediadora do debate. A indicação dada foi o livro Comunicação Não Violenta, de Marshall Rosenberg. Sobre o tema, Andréa Corradini também sugeriu a leitura de Educação não Violenta, da Elisama Santos, que é voltado para os pais. Já Irenilda Magalhães indicou os livros de William Ury, que traz diversas abordagens sobre conflitos.

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