As habilidades socioemocionais passaram a ganhar espaço nos sistemas educacionais desde que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) passou a pedir uma atenção maior das escolas sobre o assunto. O documento diz que a formação integral do indivíduo significa prepará-lo cognitivamente e emocionalmente, formando-o como profissional e cidadão. Isso inclui a capacidade de lidar com as próprias emoções. E, diante do isolamento social e das inseguranças decorrentes do enfrentamento à Covid-19, lidar com as emoções (ou ensinar as crianças a reconhecê-las) se tornou um desafio para as famílias e para a escola. Esta última, inclusive, se prepara para receber os alunos de volta ao convívio escolar com um cuidado maior com as emoções. Essa discussão sobre como lidar com as habilidades socioemocionais no ambiente escolar foi o tema de mais uma edição do Edu 5.0 Live Meeting, série de lives promovidas pelo Sistema GGE de Ensino.

Sabendo que as emoções têm uma ligação direta com o sistema neurológico, o debate foi aberto pelo Professor Roberto Lent, médico neurologista, professor emérito da UFRJ, que abordou o tema focando nas bases cerebrais e mentais do que seria a inteligência emocional. “Os seres humanos são sociais, todos sabem disso. Essa característica biológica foi evoluída e aproveitada criando situações estruturadas em que a sociabilidade se expressa e gera mais interatividade, criação, cultura, relações pessoais mais pacíficas, interativas e tudo que esse universo envolve. A sociabilidade depende de comunicação interpessoal. As pessoas se comunicam por um canal visual, um canal auditivo e também um canal tátil. Este último, é o único canal que não pode ser emulado pelas novas tecnologias”, pontua o professor.

Citando estudos e mostrando inclusive vídeos de experiências científicas, o professor Roberto Lent demonstrou que o comportamento do cérebro em um momento de interação entre professor e aluno chega a ter picos similares.

Quando os cérebros estão interagindo, eles estão se modificando. Quando um professor interage com um aluno, o cérebro do aluno se modifica, mas o cérebro do professor também se modifica”, explica.

A falta desta interação é uma das principais consequências do momento atual, quando o isolamento não permite essa relação mais próxima entre as pessoas

Em algumas pessoas pode causar solidão. Não é estar sozinho. É se sentir infeliz por estar sozinho e isso pode causar baixa imunidade e vários problemas como depressão e suicídio. Isso deve ser mitigado. Há várias maneiras propostas para isso, mas, elas não são inteiramente conhecidas”.

É por este motivo que, segundo o professor, é importante se desenvolver alternativas híbridas para depois que sairmos da pandemia.

Tem que equilibrar o presencial com o remoto. Sobre o contato presencial, nós temos um acervo de conhecimento considerável. No caso dos remotos, ainda não temos dados. Fomos forçados pelas circunstâncias a utilizar as ferramentas virtuais, mas não sabemos a eficácia e os prejuízos que possam trazer”, ressalta.

Dando sequência as apresentações iniciais, a professora Lúlia Queiroz, mestre em Educação, coordenadora de Graduação e pós-graduação da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), disse que “é preciso voltar com o prazer para a escola”. A professora citou a implantação de uma ferramenta para trabalhar o desenvolvimento socioemocional no ambiente escolar. O projeto está apoiado em uma plataforma que permite a personalização, atendendo a cada aluno no seu jeito de ser, e é facilitador para o professor fazer o gerenciamento de todo o processo. “Nesse momento é um desafio que a educação recebeu de fazer o desenvolvimento do socioemocional. Ao longo do século 20, nós cuidamos do cognitivo e tivemos sucesso. O modelo se esgotou e veio o desafio da BNCC que a escola coloque o desenvolvimento socioemocional na lista de prioridades”.

No ambiente escolar, ela cita dois fenômenos que acontecem com uma certa frequência: a hiperatividade e a falta de atenção.

Educação não é terapêutica. Ela faz o desenvolvimento. Ela não pode, nem deve assumir perfil terapêutico porque ela não vai dar conta. Mas na medida em que conseguimos desenvolver a dimensão socioemocional estaremos contribuindo. Vamos ensiná-los a nomear, a reconhecer a emoção, a ter ferramentas para controlar a emoção e a gerenciar a emoção no beneficio de um mundo e uma vida melhor”.

Por fim, a professora fez um pedido aos gestores e educadores: quando a escola voltar, não coloquem o pavor no cognitivo.

Não falem que os meninos têm que ficar loucos estudando. Vão com otimismo. Eles vão dar conta. Se a gente der apreço a isso vamos dar um salto no cognitivo. Pesquisas de Harvard já mostram que todos nós éramos convencidos que o sucesso leva à felicidade, mas os estudos mostram que é o inverso. A felicidade que leva ao sucesso. Eu gosto que a escola entenda que ela tem que fazer isso no presente. É imperativo que ela faça isso. O desafio do socioemocional é o desafio do presente”.

Aproveitando a discussão sobre o assunto, o gerente editorial do Sistema GGE de Ensino, Fellipe Torres, citou a experiência do Sistema GGE de Ensino com a implantação do projeto Fora da Caixa. Disponível na Coleção Basis (Ensino Fundamental – anos finais), o conteúdo aparece uma vez em cada volume em todas as disciplinas (exceto na disciplina de Artes, onde as abordagens acontecem em todo o conteúdo). A proposta é disponibilizar conteúdos, atividades e materiais de apoio que trabalhem o eixo socioemocional e de cidadania. Entre as propostas a serem trabalhadas em sala de aula (seja ela virtual ou presencial), estão debates, trabalhos em grupo, sugestões de leituras, disponibilização de conteúdo extra, vídeos e outras propostas, sempre relacionando o conteúdo didático com fatos cotidianos. “Tem sido uma experiência maravilhosa. O melhor é ouvir o retorno das escolas. Elas se deliciam e é muito bacana acompanhar o desenvolvimento dos projetos”, comenta Fellipe Torres.

Tomando como gancho a criação do Fora Caixa, a professora Olzeni Ribeiro, doutora em Educação e diretora do Ideaah School, provoca os ouvintes pedindo para que reflitam sobre o porquê dessas habilidades emocionais tomarem essa proporção no discurso das escolas. “Não nascemos com nossos circuitos emocionais prontos. Eles vão sendo construídos ao longo da nossa escola e dependendo de como lidamos com a nossa história. Isso é um desafio. Por isso, é importante aprender a lidar com as emoções para trabalhar isso com os alunos. As emoções e os sentimentos são tratados como sinônimos, mas a gente sabe que não são. A emoção vem primeiro. A emoção é como um estado físico, o que  a gente sente por dentro, e o sentimento é a interpretação. Sentimento é a experiência mental da emoção. Por isso, o professor precisa trabalhar três atitudes: observar, conhecer a si mesmo e personalizar”, orienta.

Segundo a especialista, o autoconhecimento precisa vir em primeiro lugar. “Se o professor reflete e interpreta os sentimentos dele, saberá fazer com o aluno. O autoconhecimento precisa vir em primeiro lugar. Existe um fator importante que é: se sentimento é uma interpretação, podemos escolher como interpretar. Tem que ver como vamos reagir. E aí, precisamos pensar e ter um controle sobre as emoções”, diz. Outro ponto abordado por Olzeni Ribeiro diz respeito à forma como o tema tem que ser abordado nas escolas. Segundo ela, o que irá conectar os alunos com os professores não são os conteúdos e sim as experiências. “Os conteúdos deixam de ser o fim para se tornar o meio. O aluno precisa ser impactado. Isso precisa ser feito, inclusive, neste momento de aulas à distância. É preciso atingir o sentido do aluno, despertar a emoção e fazer uma conexão para que o aluno entenda o que está acontecendo”, pontua.

FASE DAS PERGUNTAS

Abrindo a interação com o público durante a live, a primeira pergunta veio de José Soares Neto, psicólogo escolar do Ensino Médio do Colégio Santa Emília do Cordeiro, que demonstrou uma preocupação com o retorno dos alunos às escolas. “A pandemia trouxe muitas perdas e muitos ganhos. Qual deve ser a principal preocupação ou foco da escola na volta às aulas para que as perdas sejam acolhidas e atenuadas e os ganhos possam ser valorizados e utilizados?”, questionou. A professora Olzeni Ribeiro começou a responder enfatizando que uma vida se passou desde que as aulas foram suspensas e que o retorno não será para o modelo escolar e de interação a que todos estão acostumados.

Por isso, a melhor forma de acolher é permitindo que eles se expressem. A escola tem um ranço cultural de que o aluno precisa ficar calado e sentado. Essa postura terá que ser repensada. Voltaremos com uma normalidade inovada. O grande número de casos de depressão, de ansiedade, de irritações, já demonstra que o modelo não funcionava. Então, precisamos repensar tudo isso e passar a escutar mais. Primeiro movimento será o de colocar para fora todos os sentimentos”, opina.

O professor Roberto Lent completa dizendo que, antes de tudo, as escolas precisarão fazer um levantamento de quais foram as perdas e os ganhos.

Isso vai variar muito entre as escolas. Acredito que evasão terá que ser medida. Muitas crianças tendem a não voltar à escola porque a família ficou sem renda, por exemplo. Isso tem que ser medido e mitigado. Por outro lado, será que crianças aprenderam a interagir remotamente de modo mais dinâmico? Como isso pode ser explorado? Se não tiver o conhecimento pleno dos cenários, vamos propor soluções que serão apenas intuitivas e não terão uma base”, alerta.

Ainda sobre o retorno do funcionamento das escolas, a psicóloga escolar do Colégio ISO, Janaína Bandeira, levantou a preocupação com a preparação dos professores e colaboradores. Sobre este ponto, a professora Lúlia Queiroz diz que, antes, as regras básicas das escolas eram: controlar, vigiar e punir. Hoje, porém, os pontos mudaram para: orientar, reconhecer e celebrar.

“Se a gente entrar neste movimento esquece o que deixou de aprender e aí o que passa a importar é o que vem pela frente. Tem que ter otimismo, esperança. O professor é o profissional da esperança, senão ele apaga. A escola tem que ser o lugar do conhecimento, mas ele tem que ser fascinante. Alunos espelham muito o clima que levamos pra sala.”, enfatizou.

A professora Olzeni Ribeiro complementou dizendo que a grande dificuldade hoje é a cultura escolar de olhar para a sala de aula e ver apenas ‘cadernos e cérebros’.

Temos que entender que ali estão pessoas. A emoção, para ser saudável, precisa ser reconhecida”, enfatizou.

O professor Roberto Lent completou afirmando que o mundo do trabalho está mudando radicalmente e as empresas estão buscando profissionais que tenham habilidades socioemocionais aplicadas ao ambiente de trabalho.

É preciso interação social e isso precisa ser otimizado desde já nos alunos”, diz.

A importância do estímulo à arte também foi abordada durante a Live promovida pelo Sistema GGE de Ensino. Neste caso, os palestrantes afirmaram que a arte traz perspectiva diferente do aluno.

Se colocamos a arte como a base das estratégias é uma forma de maleabilizar a emoção. De tornar o terreno propício para o desenvolvimento das emoções”, explica a professora Olzeni Ribeiro, completando que práticas de concentração também são muito importantes.

O Edu 5.0 Live Meeting do Sistema GGE de Ensino promoveu lives semanais com temas atuais e de grande relevância na área da Educação, abordados em palestras de renomados profissionais. Orientações, soluções e conteúdos que aliam teoria à prática, traduzindo a real necessidade de instituições de ensino em todo o Brasil após a pandemia da Covid-19.

QUER SABER MAIS SOBRE COMO AS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS SE TORNARAM O EIXO DA EDUCAÇÃO NA ERA DO NOVO NORMAL? ASSISTA A SEGUIR À LIVE NA ÍNTEGRA:

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