No momento em que iniciamos as discussões sobre prazos para retomada das aulas presenciais, torna-se inadiável a análise sobre os impactos que a pandemia trouxe para a educação e quais as consequências para as instituições de ensino. Especialistas acreditam que “o futuro não será mais como era antigamente” em vários aspectos. O fato é que legados como aceleração da inclusão tecnológica no ensino e a maior atenção ao fator socioemocional das relações interescolares vieram para ficar. Estes foram alguns dos temas discutidos em mais uma edição do Edu 5.0 Live Meeting, série de lives promovidas pelo Sistema GGE de Ensino.

Estamos nos deparando com um possível retorno, em breve. Falamos muito do novo normal, mas o que será o novo futuro? Quando olhamos para trás, achamos que passou muito tempo porque foi tudo muito intenso. A ideia do porvir que tínhamos para daqui a um ano virá daqui a três, quatro meses. Precisamos, então, começar a pensar também o que mudou da perspectiva do nosso aluno, da família, dos professores, da educação como um todo”, afirma o gerente-executivo do Sistema GGE de Ensino, Leonardo Siqueira, lembrando que há mais de quatro anos o GGE aplica o EVA (Exame de Verificação de Aprendizagem), ferramenta que se tornou imprescindível neste momento, servindo para medir o nível de aprendizagem dos alunos diante das aulas remotas.

Sobre o retorno das aulas presenciais, o mestre em educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e assessor externo da Organização Mundial da Saúde (OMS) para estratégia de aprendizagem, Carlos Alberto Oliveira, argumentou que, neste momento, a tarefa mais nobre é conversar com professores e dirigentes educacionais. Ele acredita que desde o dia 11 de março, quando a OMS teve que decretar a pandemia, os países puderam aprender, ou deveriam, com as experiências alheias. E que, desde então, a Unesco lançou o programa Learning Never Stops, a partir do qual foi montada uma estratégia para ajudar os países na utilização da aprendizagem remota. “Estávamos tratando de mediação tecnológica na educação, o que já fazemos em muitas medidas, mas, naquele momento, tínhamos países que não tem acesso à internet de forma alguma”, afirma. Na sua visão, esta é, inclusive, a primeira grande mudança a partir da pandemia da Covid-19. “Conseguimos andar algo como 100 anos de discussão acadêmica sobre este tema. Eu tenho visto colegas extremamente reticentes, críticos, que depois de quase 110 dias estão reconhecendo que a aprendizagem remota veio para ficar”, afirma.

Apresentando dados, o professor ressaltou que, no dia 12 de abril de 2020, havia 90,1% alunos parados no mundo, com 192 países em paralisação completa dos seus sistemas de ensino. Atualmente, 61% deles continuam sem atividades educacionais presenciais. Sobre a retomada, ele acredita que, no Brasil, é impossível e retorno do sistema de ensino de uma só vez. “Em um país de dimensões continentais como o nosso, precisamos ver como a pandemia vai se comportar. Concordo com o ex-ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta quando ele dizia que quem determina os prazos é o vírus. Estamos vivendo momento de grandes mudanças, de enormes perdas para as famílias. Então, muitos podem voltar às escolas perguntando por professores que não estão mais lá, por exemplo. É uma situação que gera necessidade fundamental de acompanhamento socioecomocional”, ressalta.

Ele relembra, entretanto, a necessidade do retorno devido ao papel social da escola.

Na pandemia, aumentou a violência doméstica e as crianças estão com seus molestadores em casa. Então, retomar as atividades é fundamental. E não adianta dizer que só se deve voltar com a vacina, porque pode ser que ela não venha agora. Estamos esperando há 37 anos pela da AIDS”, argumenta.

Carlos Oliveira também acredita que um dos grandes legados da pandemia será o engajamento dos pais no processo de formação dos filhos. “Antes, eles simplesmente delegavam para as escolas toda a responsabilidade educacional. Muitos, que nem iam às reuniões de pais, agora compartilham do que está acontecendo. Eles passaram a entender que escola não pode substituir questões cujo protagonismo é da família”, diz. Sobre as responsabilidades de pais e mestres para a volta, ele acredita que todos devem assumir o protagonismo. “É um processo que envolve todo mundo, por iss, há a necessidade de um trabalho de comunicação anterior à volta, para que todos entendam que nada será igual. Haverá, inclusive, uma quebra salarial significativa na população do mundo, o desemprego e uma série de ajustes que vão implicar em muitas mudanças nas nossas relações. Acredito, entretanto, que será um conjunto de situações que não traz desesperança, mas esperança acompanhada dos cuidados devidos, da boa prática pedagógica, da ciência e saúde pública”, pontua.

Dando prosseguimento às apresentações, o professor Henrique Paim, notório saber em educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS) e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) fala sobre o inesperado da situação e suas consequências.

Considero que ninguém, em sã consciência, no dia 31 de dezembro de 2019, imaginou que chegaríamos ao que estamos vivendo hoje, apesar dos sinais da chegada do novo coronavírus. Foi algo que pegou muita gente de surpresa e não foi diferente em relação à educação”, ressaltou.

Ele fala, inclusive, que a situação teve impacto na governança da educação brasileira, que está centrada em uma gestão compartilhada autônoma.

O Ministério da Educação não age de forma hierárquica em relação aos sistemas estaduais e municipais aos quais as escolas públicas e privadas estão vinculadas. Embora não haja a hierarquia, entretanto, o MEC tem papel importante porque precisamos de diretrizes para atuarmos. Neste início de processo, além de não ter planejamento, tínhamos ausência do Ministério sobre a forma de atuação e isto dificultou muito. O Conselho Nacional da Educação manifestou-se, apresentou resoluções interessantes, orientando estados, permitindo que a aprendizagem remota fosse considerada parte da jornada escolar, dando indicações do modelo híbrido para a retomada. Qualquer parecer do Conselho, entretanto, só tem validade com homologação do MEC. Por isso, vários conselhos estaduais se anteciparam e começaram a elaborar suas diretrizes mesmo sem homologação. Estados, municípios, conselhos estaduais e municipais tiveram que se fortalecer e, de alguma forma, ampliar sua capacidade de planejamento de gestão. Este foi um dos legados da pandemia”, afirma.

De acordo com Paim, os protocolos que estão sendo preparados para a retomada das aulas devem envolver questões logísticas pedagógicas e de acolhimento à questão emocional, o mais importante em sua opinião.

Cada indivíduo tem sua reação em relação a um processo como este, seja negação ou pânico. Precisamos agir tratando caso a caso. Tudo isso deve ser levado em consideração. Com a aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no Conselho Nacional de Educação, contemplamos a questão do socioemocional pela primeira vez e isto traz uma relação muito direta com o que iremos enfrentar nesse momento. Os professores precisam trabalhar estes valores, com perseverança, resiliência, vontade de empreender e superar barreiras, também na sala de aula. Países desenvolvidos vêm aplicando este conceito quanto a princípios da tolerância, convivência com diversidade e direitos humanos. É uma questão estruturante e associada a um momento como esse em que solidariedade e acolhimento são palavras importantes”, argumenta.

Sobre a tecnologia e mudanças, Paim afirma acreditar que a escola precisa ser revista já que o estudante de hoje não é o mesmo de dez anos atrás.

O mundo mudou e ele também está diferente, pois já vem com muito conteúdo, informação que leva para a sala de aula. O professor tem que ser, além de transmissor do conhecimento, aquele que vai interagir cada vez mais e fazer com que o estudante tenha estímulo ao pensamento crítico. O professor deve estimulá-lo a refletir em relação ao que acontece ao redor dele. A transformação digital, neste sentido, veio para ficar. A aprendizagem remota talvez tenha sido a única alternativa a oferecer neste período, mas ela mexeu com cabeça de todos e estamos vivendo este processo de aceleração”, continua.

Sobre a democratização do acesso a esta tecnologia, Paim acredita que a aprendizagem só é plena no sistema educacional se for para todos.

Precisamos garantir uma política pública para que todos tenham acesso à internet, à conexão. É um pré-requisito para que se possa pensar no desenvolvimento educacional no futuro, porque ninguém pensa na volta sem aprendizagem remota junto à presencial. Sem isso, haverá aumento da desigualdade educacional, reprovação ou abandono. Além disso, é preciso que se faça a busca ativa, na escola pública ou privada. É preciso que o gestor busque este estudante, um a um, e isto envolve área de educação, saúde, assistência social. Por isso, o professor, grande protagonista desse processo, precisa receber maior atenção por parte dos gestores. Estamos resgatando o papel da escola, este elo entre a aprendizagem e a socialização. Afinal, não adianta aprender individualmente se não consigo trocar, interagir com alguém além da construção de valores associados a diretos humanos e democracia”, afirma.

O socioemocional preocupa diretores

O sócio-diretor do grupo GGE, José Folhadela Neto, foi o primeiro participante convidado a questionar os palestrantes. Ele contou que, em 25 anos de história a serem completados em 2021, esta foi a primeira vez que as unidades de ensino do GGE fecharam.

Tivemos que pensar no que fazer, pois não estávamos preparados para isso. Então, queria parabenizar todo o setor educacional. De 100% presencial passamos para 100%remoto e o aprendizado está acontecendo. Na volta ao sistema híbrido temos protocolos divididos em quatro pilares: distanciamento social/higienização, monitoramento/comunicação com as famílias e processo pedagógico que precisa ter ludicidade, leveza, cuidado com toda a comunidade escolar”, afirmou antes de questionar aos entrevistados o que não se deve fazer neste momento, a partir das experiências internacionais.

O primeiro a responder foi Carlos Alberto Oliveira que disse que a primeira coisa a não fazer é improvisar.

Para que a gente não comece e volte atrás, é preferível esperar o momento mais adequado. A pressa, neste caso, é nossa maior inimiga. Outra coisa extremamente necessária é seguir estritamente as regras científicas e sanitárias, rigorosamente. Em alguns países, o estudante faz seu lanche na própria sala para não ter deslocamentos e riscos”, explica. O professor da UFRJ reforçou, ainda, a necessidade da busca ativa abordada por Paim. “Ninguém pode ser deixado para trás. Na escola pública, muitos terão que sair para compor um pouco a renda familiar. E isso é mais grave porque quem vai lhe dar emprego é o tráfico. A violência é quem vai receber estes nossos jovens que não retornarem. Por isso, a busca ativa deve começar agora com a verificação dos que não entram na plataforma, o contato para saber como está. A última coisa que deve ser feita é negar o choro de uma criança com medo ou de um adolescente que lembra de alguém que morreu. Temos que qualificar nossos professores para entenderem isto. Além do mais, não podemos deixar de entender que este mundo digital é totalmente diferente. O acesso à internet é absolutamente fundamental para o acesso à cidadania, não é mais um luxo. É uma necessidade da economia e da democracia”, revela destacando a necessidade de outras ferramentas de comunicação, a exemplo de rádio e TV.

Henrique Paim, da UFRS, respondeu, por sua vez, que todo o processo de retomada planejado tem que levar em consideração algo fundamental: o diálogo.

Qualquer política educacional que não seja incorporada ao que o professor está convencido a fazer vai resultar em fracasso. Ele precisa entender o que está sendo planeado, o que faz parte do protocolo e o papel que vai ter nesse processo. É importante, ainda, que os sistemas revisem sempre o planejamento feito com base no que está ocorrendo no dia a dia, de modo que ele não seja imposto nem dissociado da realidade. Mesmo os que planejaram vão aprender no dia a dia porque nunca vivemos uma situação como esta. Afinal, é um planejamento com base em pouca evidência”, esclarece.

A segunda pergunta veio do sócio- diretor do Colégio ISO, da Paraíba, Marco Viana, que começou afirmando que para a criança, com a pandemia, ficou apenas o ônus, a “parte chata” das tarefas e aulas sem as brincadeiras, nem encontros com os amigos. “Como lidar com esta questão, sobre o retorno gradativo e a possibilidade de não retorno em 2020?”, questionou.

O professor Carlos Antônio respondeu que as escolas não conseguirão solucionar o problema sem o apoio das secretarias de saúde locais.

Elas possuem estrutura de saúde mental e é preciso ter protocolos para detectar crianças em situação de sofrimento. É preciso ter cuidado para não ficar contratando psicólogos escolares. Não é problema a ser resolvido por eles”, alertou.

Sobre a multiplicidade de protocolos de retorno e datas, ele recomenda que a discussão seja feita pelas autoridades estaduais.

Hoje, temos 54 milhões de alunos na educação básica. Se todo mundo resolver voltar em uma cidade como Rio de Janeiro ou Recife, qual o impacto disto no transporte? No Rio, vamos começar com nonas séries e terceiros anos do Ensino Médio por conta da terminalidade. Vários locais, entretanto, voltaram com Educação Infantil, visto que as crianças precisam de creche para que os pais voltem a trabalhar. Se os pais não trabalham, precariza-se ainda mais a situação daquela família. Não é simples. Gerir uma pandemia é quase tão complexo na área de educação quanto da saúde. Por isso, ela é a última a voltar. São muitos aspectos com que um gestor de educação nunca pensou em lidar”, explica.

O último convidado da live foi Eduardo Bruno Martins dos Santos, sócio-diretor do Colégio Literato, localizado em Serra Talhada. Ele questionou o que fazer para que legados como o uso da tecnologia e a aproximação com as famílias não se percam. Indagou, ainda, como avançar no processo educacional.

O professor Henrique Paim começou respondendo que o processo de aceleração da transformação digital precisa ser sistematizado.

Se isto não for trabalhado no âmbito dos estados, municípios e instituições privadas, vai haver abandono do processo. Daí a importância de universidades e pesquisadores para definirmos o que pode ser extraído disso e transformado em política pública. Deve haver a correção de gargalos deste processo como trabalhar pelo lado positivo a inclusão digital e não a exclusão. Não é possível, também, ter educação sem alimentação, transporte escolar ou material didático para todos. A política de formação de professores deve contemplar o uso destas ferramentas, da mediação tecnológica e diálogo aprofundado aos que são resistentes ao seu uso”, explica.

O professor Carlos Oliveira complementou afirmando que vivemos um distanciamento físico, mas não social.

Temos que avançar nesse discurso, pois é muito possível fazer atividades e confraternizações reinventando o uso das múltiplas tecnologias. Há momentos na evolução da sociedade em que não há como voltar atrás. É um ponto de não retorno. Além disso, se não ‘ganharmos os pais’, eles não terão confiança de levar seus filhos, as coisas mais importantes das suas vidas, para a escola. Precisamos convencê-los de que estamos cumprindo todos os requisitos e que as crianças estão sendo acompanhadas senão não haverá mudança nos índices que indicam que 76% dos pais não querem voltar. Não podemos permitir esse negacionismo. Só voltar quando tiver vacina ou tratamento é a negação da ciência da mesma forma que quem afirma se automedicar e voltar tomando cloroquina também a nega. A ciência está no meio deste caminho. Os pais precisam ser parceiros do processo”, resume.

As dúvidas dos internautas

Pelo chat, a internauta Gabriela Monteiro questionou se a aplicação da BNCC pode ser adiada por causa da pandemia. O professor Henrique Paim respondeu que a base remete a um detalhamento maior no currículo.

Envolve o Conselho Estadual de Educação e traz para o âmbito das escolas o desafio de adequar. Eu diria que é um processo com vários estágios, que já estava atrasado, mas Pernambuco e Paraíba estão mais adiantados. Sem dúvida, a pandemia impõe barreiras para a implementação porque além dos aspectos associados à questão pedagógica, há outros de logística. Com a retomada das aulas, a maioria dos envolvidos deve postergar o processo de implementação da BNCC do Ensino Médio”, responde.

Fabíola Campelo, por sua vez, finalizou as perguntas dos internautas questionando como trabalhar o socioemocional dos funcionários. Carlos Antônio Oliveira finalizou este momento, e a live, respondendo que ninguém está imune aos impactos da pandemia e que a escola precisa pensar em todos os profissionais, da área administrativa ao apoio e cantina.

É um momento difícil, mas, não devemos ficar pior. Precisamos de fé na humanidade para passar por ele, juntos. Não tenham medo. Não serão tempos fáceis, mas nos ensinarão um outro futuro, melhor do que o que tínhamos”, concluiu.

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